Com poesia, fonoaudióloga ensina travestis e transexuais a modular voz



Denise Mallet ajuda grupo alterar a fala sem comprometer as cordas vocais.
Perfil de Denise Mallet é parte da história da cidade que faz 459 anos.


FONTE: Lívia Machado
Do G1 São Paulo
Com a ajuda de Manuel Bandeira, Denise Mallet transforma voz de travestis e transexuais de SP (Foto: Lívia Machado/G1)

Com a ajuda de Manuel Bandeira, Denise Mallet transforma voz de travestis e transexuais de SP (Foto: Lívia Machado/G1)

Há três anos, Denise Mallet, 61 anos, ensina os travestis e transexuais de São Paulo a modular a voz. Para que as cordas vocais desse público não sejam prejudicadas, a especialista oferece uma técnica singela e, segundo ela, bastante eficaz. Com poesia, a especialista mostra que é possível assumir uma maneira masculina ou feminina de falar, sem precisar afinar ou engrossar a voz.
(A trajetória de Denise Mallet é parte da cidade que chega aos 459 anos nesta sexta, 25. Para celebrar o aniversário de São Paulo, o G1 mostra 25 paulistanos de origem ou "adotados" pela metrópole. Leia todas as histórias.)
O tratamento, pioneiro e ainda único no Brasil, é oferecido gratuitamente no Ambulatório para Saúde Integral de Travestis e Transexuais de São Paulo, projeto realizado no Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, onde Denise atua desde 2001. De junho de 2009 a janeiro de 2013, o ambulatório registrou 1.322 pacientes agendados.
Declamando versos, ela ajuda esse grupo especifico a deixar a voz saudável e compatível com o visual já modificado. “Esteticamente é fácil, mas e a voz? É o que denuncia. No caso das travestis, elas usam falsetes, tem uma forma de produzir um som nasal para minimizar o tom grave da voz masculina", explica.
Com voz suave, ela apresenta obras da literatura brasileira em diferentes interpretações.“São pessoas muito nervosas, tensas, machucadas. E a poesia é muito leve. Então, é um momento de paz, serenidade, recebido com prazer. Com a ‘A Rua das rimas’ (poema de Guilherme de Almeida), muitas choram.”
O trabalho demanda tempo, e disponibilidade de ambas as partes. Denise revela que é preciso, em média, 40 a 50 dias para que os pacientes fiquem à vontade. “Tenho que resgatar a voz natural. E isso é muito difícil para esse público. Até mesmo dentro do consultório.”
Para ter êxito com uma população tão carente e fragilizada, Denise desenvolve a técnica de modulação da palavra. O que ela oferece é uma espécie de maquiagem na fala.  “Começo a mostrar para o paciente que posso emitir a poesia de várias formas. A voz continua a mesma, mas auditivamente parece outra. O importante não é falar fino ou grosso, é ter um jeito feminino ou masculino de falar.”
A poesia abre terreno para introduzir a prosa. A eficácia, em alguns casos, vai além da técnica. Com a ajuda de Manuel Bandeira - o queridinho da médica - e Cecília Meireles, ela também desperta nos pacientes o prazer pela leitura. “Fiquei muito contente que muitas foram às livrarias atrás dos autores que uso em consultório e descobriram inúmeros outros. Abre caminho para o conhecimento e coisas boas.”

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