Brasil realiza duas cirurgias de redesignação Sexual por dia


Carla Amaral espera pela cirurgia de mudança de sexo Carla Amaral espera pela cirurgia de mudança de sexo
Todos os dias, dois brasileiros são operados por médicos do País especializados em uma cirurgia complexa, demorada e polêmica. Nela, o bisturi é usado para adequar o corpo incompatível com a sensação de gênero dos pacientes. Até chegarem à maca, eles percorrem um caminho de sofrimento, preconceito, burocracia e isolamento social.
A chamada cirurgia de mudança de sexo (ou de adequação sexual) foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008 e, de lá para cá, ganhou fôlego. No primeiro ano, o método cirúrgico acumulou 101 pessoas contempladas, número que subiu para 706 em 2011, crescimento de sete vezes.
No ano passado, mostra balanço do Ministério da Saúde, foram 603 operações feitas até outubro – último mês analisado – nos quatro hospitais públicos especializados na técnica. Nos centros médicos de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Goiânia foram, em média, duas cirurgias diárias em 2012.

Evolução das cirurgias de readequação sexual no SUS

A operação passou a ser realizada nos hospitais públicos em 2008 *dados de 2012 até outubro
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Ministério da Saúde
Eles e elas
Nesta estatística, estão histórias do grupo de transexuais brasileiros, que vivem em uma condição definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno grave de gênero. Não são travestis, homossexuais, lésbicas, bissexuais ou hermafroditas.
“Somos pessoas que nascemos em um corpo que não reconhecemos como nosso, diferente da nossa alma. É uma prisão dolorida”, diz Carla Amaral, 39 anos, moradora de Curitiba. Ela está na fila de espera para ser operada há sete anos mas já conseguiu, por via judicial, a mudança do nome nos documentos de identidade.
Carla faz parte da chamada “população T” – como é nomeado o grupo dos transexuais. São pessoas que se sentem mulheres e nasceram em corpos de homens ou pessoas que se enxergam como homens, mas têm mama, útero e ovários.
“É muito difícil para quem está de fora supor o sofrimento que é se sentir e se perceber num corpo que você não reconhece como sendo o seu de verdade, desde a infância”, afirma o médico do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Alexandre Saadeh, que trabalha com a população T. A instituição contabiliza 1.700 pacientes espalhados por todos os Estados, do mais rico ao mais pobre, na espera para a realização da cirurgia de adequação sexual.
As cirurgias
Segundo Saadeh, a inadequação sexual se manifesta por volta dos cinco anos de idade, faixa-etária em que o tratamento já pode começar.
“A cirurgia só deve ser realizada em fase adulta. Hoje, as técnicas utilizadas são bem conhecidas e têm ótimos resultados. Por isso o acompanhamento deve ser desde pequeno e, se possível, quando o diagnóstico é de certeza, bloquear o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários na adolescência ou já ministrar os hormônios em doses efetivas do gênero com o qual a pessoa se identifica durante a adolescência”, explica.



Por enquanto, o SUS só realiza a construção de um órgão sexual do masculino para o feminino. O procedimento consiste em amputar o pênis e construir, com tecidos, costuras e perfurações, uma “neovagina”. Internamente, o canal responsável pela urina é acoplado ao intestino.
“No Brasil e no mundo, a cirurgia de mudança do sexo feminino para o masculino é feita de forma experimental. Este procedimento está condicionado à pesquisa em hospitais universitários ou públicos”, informou a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde.
Para os transexuais homens – que nascem com vagina – cirurgias também são realizadas em hospitais públicos, para a retirada das mamas, do útero e dos ovários.
“Só a neofaloplastia (construção de um pênis) ainda é considerada experimental, mas já existem técnicas com resultados aceitáveis”, informa Saadeh.
“O SUS ainda não incluiu essa população no atendimento gratuito, mas essa questão está sendo reavaliada e será corrigida na publicação de nova Portaria Ministerial sobre esse tema ainda esse ano”, completa o psiquiatra, que é um dos maiores estudiosos do assunto.
Desafio
O aparato cirúrgico não é a única forma de acolher e melhorar a vida dos transexuais. Muitos deles, inclusive, não desejam passar pelo método cirúrgico, que pode levar ao menos dois anos para ser diagnosticado por psiquiatras e psicólogos. Para fazer a operação, o paciente precisa ter mais de 21 anos e ter o laudo clínico que indica a cirurgia.
Nany People, 47 anos, uma das transexuais brasileiras mais famosas, por exemplo, desistiu da operação quando tinha 28 anos de idade. Na época, o procedimento era feito somente em outros países ou de forma clandestina no Brasil. Os centros e os profissionais brasileiros se especializaram na técnica de adequação sexual, o que permitiu o aumento do número de cirurgias, acompanhado de uma demanda crescente de pacientes.
Para Nany, a ânsia de fazer a operação foi substituída pela sensação de que o método não traria felicidade.
“A vagina é só um detalhe”, diz ela que completa que “ser mulher é desafio maior do que uma operação”. 
João W. Nery, 63 anos, que nasceu Joana e foi o primeiro trans homem a ser operado no Brasil – há quase quatro décadas – também endossa o coro de que a cirurgia não é uma imposição à população T, apesar de ser vital para alguns.
Para ele, outras demandas do grupo são extremamente importantes e não podem ser negligenciadas porque também fazem parte do pacote saúde LGBTT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros).
Nery, por exemplo, nunca conseguiu tirar o diploma com o nome que escolheu ter, compatível ao corpo que moldou com muita luta nos últimos anos. Estudou o primeiro, o segundo grau, formou-se em psicologia, já teve consultório, deu aulas em universidades.
“Operei em 1977, quando as cirurgias eram proibidas e consideradas mutilações. Eu tirei novos documentos, para poder me articular como João, mas nem a Justiça da época sabia o que era transexualidade. Fiquei clandestino e perdi todo meu histórico acadêmico. Virei, oficialmente, um analfabeto”, diz.
Apesar da formação, para os registros brasileiros, João W. Nery tem um vazio no histórico curricular. Para sobreviver na condição de trans homem, escondeu o rosto, deu a cara à tapa, foi pedreiro, chofer, vendedor. Até virar escritor, pai e, recentemente, avô.
“Um homem feminino que fere o lado masculino dos outros, não o meu.”
Fonte: IG 
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