OAB emite nota técnica favorável a travestis e transexuais sobre Lei Maria da Penha

NOTA TÉCNICA SOBRE A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA TRANSEXUAIS E TRAVESTIS


A Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos 

Advogados do Brasil, no exercício de suas atribuições institucionais, emite a presente 

nota técnica em face do questionamento feito pelo Conselho Regional de Psicologia da 

16ª Região e por membros de movimentos sociais de todo o País, sobre a aplicabilidade 

da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha aos casos de violência doméstica contra 

transexuais e travestis.

O consulente perquire se os artigos 1º e 5º da referida Lei, ao selecionar como 

critério de discriminem para definição do âmbito de aplicação da norma “a violência 

doméstica e familiar contra a mulher” (art. 1º), assim definida pela mesma lei como 

“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento 

físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5º), compreendem a 

violência praticada contra transexuais e travestis.

Nesta senda, apresentam-se dois pontos a serem analisados: 

- se os referidos artigos, usam a expressão “mulher” como gênero (conjunto de 

propriedades atribuídas social e culturalmente em relação ao sexo dos indivíduos1

) ou tão somente como sexo (pessoa adulta do sexo feminino2

); 

- se transexuais e travestis integram o conjunto de algum destes dois conceitos. 

A distinção entre gênero e sexo se faz salutar:

- gênero é elemento subjetivo constituído por aspectos psicológicos, sociais e 

culturais relativos aos padrões de comportamentos definidos pela prática cultural na qual as pessoas vivem papéis estereotipadamente masculinos e femininos3

;

- sexo é elemento biológico e objetivamente aferível, ressalvado o sexo civil, 

conceito jurídico que pode não com coincidir com o gênero. 

Cumpre lembrar que a Lei nº 11.340/2006 foi editada como norma de tutela dos 

vulneráveis voltada a garantir proteção e isonomia entre os integrantes das unidades 

familiares e afetivas, ante a histórica e notória violência sofrida pelas mulheres

decorrente do caráter patriarcal da sociedade brasileira. A subordinação econômica e 

social da mulher em relação ao pai, marido e posteriormente até mesmo em relação aos 

filhos culminou com a construção de um estereotipo de inferioridade do papel feminino. 

Como bem asseverou o Ministro Celso de Mello:

[...] o processo de afirmação da condição feminina há de ter, no 

direito, não um instrumento de opressão, mas uma formula de 

libertação destinada a banir, definitivamente, da praxis social, a 

deformante matriz ideológica que atribuía, à dominação 

patriarcal, um odioso estatuto de hegemonia capaz de condicionar 

comportamentos, de moldar pensamentos e de forjar uma visão de 

mundo absolutamente incompatível com os valores desta 

República. (STF – ADC nº 19/DF).

A Lei, ao selecionar a mulher como elemento vulnerável, por certo não o fez em 

razão de presunção de que a mulher – como sexo – é biologicamente mais fraca que o 

homem e, portanto, deveria ser protegida. Se assim o fosse não faria sentido a proteção da 

mulher vitima de violência por outra mulher, situação que presumiria um equilíbrio entre 

os sujeitos e afastaria a necessidade de uma discriminação positiva.
Não bastasse, se o critério distintivo do plano de incidência da norma fosse tão 
somente a mulher como “pessoa adulta do sexo feminino”, não se justificaria a exigência 
legal de que a violência seja “baseada no gênero” (art. 5º), bastando, para tanto, a suposta 
condição de fragilidade decorrente do sexo feminino. Tal distinção encontra consonância 
com precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Não se descura que o telos fundamental da Lei n.º 11.340/06 é a 
proteção da mulher que, por motivação de gênero, encontra-se em 
estado de vulnerabilidade e de submissão perante o poder 
controlador e dominador do homem. Nesse aspecto, a regra contida 
no art. 5.º do estatuto legal é eloquente: "Para os efeitos desta Lei, 
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer 
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, 
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial [...]". (STJ. Habeas Corpus 196.877 – RJ).
É a mulher como gênero feminino, portanto, o objeto de proteção da lei, em razão 
do estereotipado papel social e cultural que exerce na sociedade, sobretudo como 
elemento mais frágil dentro da entidade familiar, historicamente subordinada ao pai, ao 
marido, companheiro, e até mesmo aos filhos. É a violência motivada em razão deste 
estereotipo de inferioridade que autoriza a relativização da igualdade formal para, através 
da ação afirmativa do Estado, proteger a pessoa de gênero feminino contra quem quer 
que seja o autor de tal violência. Justamente pela violência ser perpetrada em razão do 
gênero, e não do sexo, que se admite que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher.
Delineado o campo de atuação normativa, cabe analisar a possibilidade de 
aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de violência doméstica tanto contra 
transexuais como travestis, independente de terem se submetido a adequação do sexo 
morfológico ou alteração do registro civil. 
[...] identificação do sexo é feita no momento do nascimento pelos 
caracteres anatômicos, registrando-se o indivíduo como 
pertencente a um ou a outro sexo exclusivamente pela genitália 
exterior. No entanto, a determinação do gênero não decorre 
exclusivamente das características anatômicas, não se podendo 
mais considerar o conceito de sexo fora de uma apreciação 

plurivetorial, resultante de fatores genéticos, somáticos, 
psicológicos e sociais.
4
Transexuais e travestis se caracterizam pelo pertencimento a um gênero diverso 
daquele apresentado pelo fenótipo de seu corpo. Tanto quem anatômica e legalmente seja 
um homem, identificado no gênero feminino, como quem, anatomicamente uma mulher, 
se identifique como do gênero masculino. 
A exigência de prévia cirurgia agrediria a Constituição Federal no que concerne 
ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Na lição de Capelo de 
Souza:
“A natureza deste (corpo humano), enquanto bem 
juscivilisticamente tutelado, impõe ainda o relevo jurídico do 
poder natural de autodeterminação de cada homem sobre o seu 
próprio corpo. Pelo que, o titular do corpo tem poderes 
juridicamente reconhecidos em exclusividade, v. g., para dirigir e 
conformar o seu próprio corpo, para se sujeitar ou não a 
tratamentos e operações”5
.
Não bastasse, salutar a constatação de que a própria lei em comento, corroborando 
sua natureza de norma protetiva de direito dos vulneráveis, expressamente afasta 
qualquer interpretação restritiva em razão de orientação sexual, como se constata do 
parágrafo único de seu art. 5º: As relações pessoais enunciadas neste artigo independem 
de orientação sexual. Se é certo que a mulher foi e ainda é discriminada em razão de um 
estereótipo de inferioridade, não menos certa é a situação de vulnerabilidade suportada 
por transexuais e travestis, minorias alvo de agressões, preconceito e contantemente 
relegada à invisibilidade estatal. 
A Lei Maria da Penha não cria qualquer restrição as transexuais e travestis, 
tampouco exige prévia retificação do registro civil ou cirurgia de adequação de sexo, e 
onde a lei não restringe, não cabe ao interprete fazê-lo. Estabelecida proteção da mulher 
como gênero, e não como sexo, mostra-se plenamente aplicável à violência doméstica 
praticada contra transexuais e travestis do gênero feminino. 
Destarte, seja pela interpretação teleológica do âmbito de incidência da Lei Maria 
da Penha, que seleciona como elemento de discriminem o gênero feminino, e não o sexo;
seja pelo caráter inclusivo e de reparação das desigualdades socioculturais no ambiente 
doméstico e familiar, aplica-se às situações de violência doméstica e familiar sofridas por 
transexuais e travestis do gênero feminino as disposições da Lei nº 11.340/2006.
Brasília, 11 de agosto de 2014

MARIA BERENICE DIAS
Presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB

MARCELO L. FRANCISCO DE MACEDO BÜRGER
Membro da Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB

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